ou
DOMÍNIO DA UNIVERSALIDADE
CAPÍTULO QUATRO
Usando
os Direitos Humanos como Armamento: De Darfur para Mianmar e para o Tibete
“Muito
do que fazemos hoje foi feito secretamente há 25 anos, pela CIA.”
- Allen Weinstein, que ajudou a criar o National Endowment
for Democracy (NED) .(1)
Mianmar:
A Revolução Açafrão
Na época da decisão dos EUA,
de forçar a mudança de regime no Iraque - uma decisão realmente tomada antes
dos ataques de 11 de Setembro de 2001 - a política dos EUA já estava a começar
a mudar para a China. No entanto, como observado anteriormente, ao contrário da
política dos EUA em relação a uma Rússia economicamente enfraquecida, mas ainda
militarmente formidável, a política dos EUA em relação à China procurava seguir
o que algumas pessoas designavam como “poder brando”. As principais armas da
pressão dos EUA sobre a China seriam afirmações sobre 'democracia' e 'direitos
humanos'. Parecia paradoxal. Mas não era.
Uma aplicação importante da
nova ofensiva de direitos humanos contra a China, em Washington, concentrou-se
em Mianmar, no Tibete e em Darfur e, no sul do Sudão, rico em petróleo.
Uma grande campanha de
desestabilização de “direitos humanos” mobilizada pelos EUA, para tentar apertar
o cerco ao redor da China começou em Setembro/Outubro de 2007, visando Mianmar,
antiga colónia britânica, a Birmânia. (O governo dos EUA ainda prefere
designá-la como Birmânia, apesar da rejeição oficial desse nome pelo governo de
Mianmar.) Nessa época, a CNN publicou imagens de monges budistas vestidos de túnicas de cor açafrão correndo pelas ruas da antiga capital de Mianmar, Rangoon (Yangon ) e
clamando por mais democracia. Nos bastidores, no entanto, foi uma batalha de uma
consequência geopolítica enorme.
A tragédia de
Mianmar/Birmânia, cuja área do território era do tamanho do rancho de George W.
Bush, no Texas, foi que a sua população estava a ser usada como cenário humano,
num drama que havia sido idealizado em Washington. O espectáculo que se
desenrolava na CNN, fora escrito e produzido pelos esforços combinados da
National Endowment for Democracy (NED), da Open Society Institute de George
Soros, da Freedom House e da Albert Einstein Institution de Gene Sharp. Essas
ONGs funcionavam como activos militares e estavam ligadas aos serviços secretos
dos EUA. Foram usadas para treinar circunstâncias de mudanças de regime “não
violentas” em todo o mundo, em nome da agenda estratégica dos EUA. Eram as
mesmas ONGs e organizações que tinham sido usadas nas Revoluções Coloridas à
volta da Rússia - na Geórgia, na Ucrânia e na Sérvia.
A “Revolução Açafrão” da
Birmânia, tal como a “Revolução Laranja” da Ucrânia ou a “Revolução Rosa” da
Geórgia, foi um exercício bem orquestrado na mudança de regime conduzida por
Washington. Reproduzia os métodos e truques das Revoluções Coloridas anteriores:
usando os protestos de “bater e fugir” por “enxames” de grupos de budistas
usando mantos de açafrão; criação de blogs na internet e links para mensagens
de texto móveis entre grupos de protesto; instalação de células de protesto bem
organizadas, que se dispersavam e se reorganizavam sob comando.
A CNN errou num dado momento,
durante uma transmissão, em Setembro de 2007, mencionando a presença activa da
NED a apoiar os protestos em Mianmar.(2) Na verdade, o Departamento de Estado
dos EUA admitiu apoiar as actividades da NED em Mianmar. A NED era uma entidade
“privada,” financiada pelo governo dos EUA, como observado anteriormente, cujas
actividades foram projectadas para apoiar os objectivos da política externa dos
EUA. A ideia era realizar o que a CIA havia feito durante a Guerra Fria, mas
sob a capa de uma ONG aparentemente inocente.
Em 30 de Outubro de 2003, o Departamento
de Estado emitiu um comunicado de imprensa formal afirmando:
A restauração da democracia na Birmânia é
uma prioridade da política dos EUA no Sudeste Asiático. Para alcançar esse objectivo,
os Estados Unidos têm apoiado, regularmente, activistas da democracia e os seus
esforços dentro e fora da Birmânia ... Os Estados Unidos também apoiam
organizações como o Fundo Nacional para a Democracia, o Instituto Open Society
e Internews, a trabalhar dentro e fora da região, numa ampla série de actividades
de promoção da democracia.(3)
Um objectivo prioritário da
política dos EUA no sudeste da Ásia? Tudo soava mui nobre e discreto da parte
do Departamento do Estado. No entanto, as suas “actividades de promoção da
democracia”, tinham uma agenda oculta sinistra. Eram destinadas, directamente,
à estabilidade regional de Pequim, incluindo a estabilidade energética.
Tal como nos Balcãs e na Ásia
Central, o Departamento do Estado dos EUA recrutou e treinou líderes da
oposição de numerosas organizações anti governamentais, em Mianmar. Tinha
disponibilizado a enorme quantia (para Mianmar) de mais de 2,5 milhões de
dólares anuais para as actividades da NED, promovendo a mudança de regime em
Mianmar desde, pelo menos, 2003. Esta operação de mudança de governo, efectuada pelos EUA, a “Revolução Açafrão”, foi administrada - de acordo com a admissão do
próprio Departamento de Estado – principalmente, pelo Consulado dos EUA, na
cidade vizinha de Chiang Mai, na Tailândia, onde o governo era mais amistoso em
relação à presença militar e aos serviços secretos dos EUA.(4)
O Departamento de Estado e a
NED financiaram meios de comunicação de oposição importantes, incluindo o New
Era Journal, o Irrawaddy e a rádio Democratic Voice of Burma.(5)
O solista - ou, mais correctamente
talvez, o teórico - da mudança não violenta de regime pelos monges vestidos de
açafrão foi Gene Sharp,
fundador da Instituição Albert Einstein em Cambridge, Massachusetts. A Albert
Einstein Institution, de Sharp, era, como observado anteriormente, financiada
por um braço da NED do Congresso dos EUA; o seu objectivo era promover a
mudança de regime favorável aos EUA, em pontos-chave em todo o mundo. (6)
O Instituto de Sharp estava a
agir na Birmânia desde 1989, logo após o regime ter massacrado cerca de 3000
manifestantes, para silenciar a oposição. Funcionário especial da CIA e antigo adido
militar dos EUA em Rangoon, o Coronel Robert Helvey, especialista em operações
clandestinas, apresentou Sharp à Birmânia, em 1989. Helvey queria que Sharp
treinasse a oposição birmanesa em tácticas não-violentas.
De acordo com a Instituição, o
livro de Sharp, From Dictatorship to
Democracy/Da Ditadura para a Democracia, foi “originalmente publicado em
1993, na Tailândia, para distribuição entre os dissidentes birmaneses. O livro From Dictatorship to Democracy, foi
então espalhado em várias partes do mundo. É uma introdução séria ao uso de acções
não violentas para derrubar as ditaduras ”. (7)
Na época da tentativa da Revolução Açafrão, em 2007, o Financial Times de Londres, descreveu o papel de
Gene Sharp nos eventos de Mianmar, que a Instituição de Sharp citou na íntegra,
no seu site. Segundo o The Financial
Times:
Nos últimos três anos, activistas da ‘comissão
de desafio político’ do movimento exilado, treinaram cerca de 3.000 colegas
birmaneses de todas as classes sociais - incluindo várias centenas de monges
budistas - em filosofias e estratégias de resistência não violenta e
organização comunitária. Estas ‘workshops’(cursos de curta duração), realizados
em áreas de fronteira e atraindo pessoas de toda a Birmânia, foram percebidas
como ‘treinando os treinadores’, que regressavam a casa e partilhavam essas ideias
com outros, que ansiavam por mudanças.
Esta preparação - juntamente com apoio
material de telemóveis/telefones celulares - ajudou a estabelecer as bases para
que monges budistas dissidentes, em Setembro,determinassem um boicote religioso
contra a junta militar, antecipando os maiores protestos anti governamentais, em
duas décadas. Durante 10 dias terríveis, monges e cidadãos leigos, enfurecidos
pelo agravamento do empobrecimento e da repressão generalizada, foram
despejados nas ruas em números que chegaram a cerca de 100 mil pessoas antes do
regime esmagar as manifestações, matando pelo menos 15 e prendendo milhares de
pessoas.
A inspiração para o treino foi o sr.
Sharp, cujo "From Dictatorship to Democracy" - um manual curto e
teórico de luta não violenta contra regimes repressivos - foi publicado em
birmanês, em 1994 e começou a circular entre exilados e, clandestinamente,
entre os dissidentes dentro do país. Alguns foram presos durante anos, só por
possuí-lo.(8)
O diário financeiro também
salientou que:
Gene Sharp, educado em Oxford e teórico de
Harvard sobre a resistência pacífica à repressão, instou os rebeldes a adoptarem
meios não-violentos para combater a junta militar. O seu assistente, o Coronel
aposentado Robert Helvey, um adido militar americano em Rangoon nos anos 80,
explicou como usar o planeamento de estilo militar e criar estratégias para a
oposição pacífica.(9)
Curiosamente, Sharp também
esteve na China poucos dias antes dos acontecimentos dramáticos na Praça
Tiananmen, em Junho de 1989. Alguém perguntou: Foi apenas uma coincidência? (10)
A questão relevante era: Por
que é que o governo dos EUA tinha um interesse tão grande em fomentar a mudança
de regime em Mianmar, em 2007? Obviamente, tinha pouco a ver com a democracia, com
a justiça ou com os direitos humanos da população que estava a ser oprimida nesse país.
O Iraque e o Afeganistão eram testemunhas suficientes do facto de que o hino de
Washington à ‘democracia’ era cobertura de propaganda para outra agenda.
A questão era: O que motivaria
esse envolvimento num lugar tão remoto como Mianmar?
Incontestavelmente, a resposta
era - o controlo geopolítico; em última análise, o controlo das rotas marítimas estratégicas do Golfo Pérsico até ao Mar do Sul da China. O litoral de Mianmar fornecia
transporte e acesso naval a uma das vias marítimas mais estratégicas do mundo, o
Estreito de Malaca, a passagem estreita entre a Malásia e a Indonésia.
O Pentágono tentava militarizar
esta região desde 11 de Setembro de 2001, sob o pretexto de se defender de um
possível 'ataque terrorista'. Como não se concretizou, eles mudaram para
alegada 'defesa contra piratas'. Os EUA trataram de conseguir uma base aérea em
Banda Aceh, a Base da Força Aérea Sultan Iskandar Muda, na extremidade norte da
Indonésia. No entanto, os governos da região, incluindo Mianmar, recusaram
veementemente os esforços dos EUA para militarizar a região. Um relance a um
mapa confirmava a importância estratégica de Mianmar.
O Estreito de Malaca, ligando
os oceanos Índico e Pacífico, era a rota marítima mais curta entre o Golfo
Pérsico e a China. Era o principal
ponto de estrangulamento na Ásia.
Mais de 80% de todas as importações
de petróleo da China eram enviadas por navios-tanque passando pelo Estreito de
Malaca. O ponto mais estreito era o Canal Phillips, no Estreito de Singapura,
com apenas 1,5 milhas de largura. Os super tanques
transportavam mais de 12 milhões de barris de petróleo por dia através dessa passagem estreita, a maioria a caminho do mercado de energia que mais cresce no
mundo: a China.
Se o Estreito de Malaca fosse
fechado, quase metade da frota de navios-tanque do mundo seria obrigada a
navegar milhares de quilómetros mais longe. Fechar o Estreito, faria subir,
imediatamente, os custos de frete em todo o mundo. Mais de 50.000 navios por
ano transitavam pelo Estreito de Malaca.
Quem controlasse as vias marítimas nesse
ponto estratégico - a região desde Mianmar até Banda Aceh, na Indonésia -
controlaria o fornecimento de energia da China e, portanto,a sua linha de vital
de comunicação.
Logo que se tornou evidente para
a China, que os EUA estavam a desenvolver uma militarização unilateral dos
campos petrolíferos do Médio Oriente, a partir de 2003, Pequim validou bastante
o seu envolvimento em Mianmar. A energia chinesa e a protecção militar, e não
as preocupações com os direitos humanos, impulsionaram a sua política.
Pequim utilizou biliões de
dólares em assistência militar em Mianmar, incluindo aviões de combate e
transporte, tanques e veículos blindados, navios de guerra e mísseis terra-ar.
A China construiu caminhos de ferro e estradas e obteve permissão
para posicionar as suas tropas em Mianmar. A China, de acordo com fontes da
defesa indiana, também construiu uma grande instalação de vigilância electrónica
nas Ilhas Coco, em Myanmar, e construiu bases navais para aceder ao Oceano
Índico.
Mianmar era parte integrante
do que alguns no Pentágono designavam como o “colar de pérolas” da China, o seu
projecto estratégico de estabelecer bases militares em Mianmar, na Tailândia e
no Camboja para suster o controlo dos Estados Unidos sobre o ponto de
estrangulamento do estreito de Malaca. Havia também energia no território e no
mar de Myanmar e em grande quantidade.
O petróleo e o gás tinham sido
produzidos em Mianmar desde que os britânicos fundaram a Rangoon Oil Company em
1871, mais tarde designada como Burmah Oil Co. O país produzia gás natural desde a
década de 1970 e na década de 1990 concedeu concessões de gás à Elf Total da
França e à Premier Oil, do Reino Unido, no Golfo de Martaban. Mais tarde, a
Texaco e a Unocal (agora Chevron)também obtiveram concessões em Yadana e
Yetagun. Só Yadana tinha uma reserva de gás estimada em mais de 5 triliões de
pés cúbicos com uma duração de vida esperada de, pelo menos, 30 anos. O Yetagun
foi estimado em cerca de um terço do gás do campo de Yadana. Em 2004, foi
descoberto um novo campo enorme de gás, o campo Shwe, na costa de Arakan.
Em 2002, tanto a Texaco como a
Premier Oil retiraram-se do projecto Yetagun devido à pressão do governo do
Reino Unido e das ONGs. A Petronas da Malásia comprou 27% da participação da
Premier. Em 2004, Mianmar estava a exportar o gás de Yadana, através de um
oleoducto para a Tailândia, avaliado anualmente em 1 bilião de dólares para o
regime de Mianmar.
Em 2005, a China, a Tailândia
e a Coreia do Sul investiram na expansão do sector do petróleo e do gás de
Mianmar, com a exportação de gás para a Tailândia a aumentar 50%. A exportação
de gás em 2007 era a fonte de receita mais importante de Mianmar. Yadana foi
desenvolvida em conjunto por Elf Total, Unocal, PTT-EP da Tailândia e pela empresa
estatal de Mianmar MOGE, dirigida pela Elf Total francesa. A Yadana fornecia
cerca de 20% das necessidades de gás natural da Tailândia.
O campo de Yetagun era
dirigido pela Petronas da Malásia juntamente com a MOGE e a japonesa Nippon Oil
e a PTT-EP. O gás era canalizado para terra, onde estava ligado ao gasoducto
Yadana. O gás do campo de Shwe entraria em funcionamento a partir de 2009. A
China e a Índia estavam em forte disputa sobre as reservas de campo de gás de
Shwe.
A Índia Perdeu, a China Ganhou
No verão de 2007, pouco antes
de Washington lançar a sua ‘Revolução Açafrão,’ Mianmar tinha assinado um
Memorando de Entendimento com a PetroChina para fornecer grandes volumes de gás
natural das reservas do campo de gás de Shwe, na Baía de Bengala. O contrato
tinha uma duração de 30 anos. A Índia, que se tornou parceira de cooperação
militar de Washington, foi a principal perdedora.
Mianmar já tinha dado à Índia
uma participação importante em dois blocos offshore para desenvolver gás que
teria sido transmitido via oleoducto, através de Bangladesh, para a economia
indiana, esfomeada de energia. No entanto, as disputas políticas entre a Índia
e Bangladesh levaram os planos indianos a um impasse.
Pequim aproveitou o impasse. A
China superou habilmente a Índia com uma oferta para investir biliões na
construção de um oleoducto estratégico entre a China e Mianmar, passando pelo
porto de Sittwe, na Baía de Bengala, até Kunming, na província chinesa de
Yunnan - um trecho de mais de 2.300 quilómetros. A China também planeou uma
refinaria de petróleo em Kunming.
Os oleoductos Mianmar-China
permitiriam que o petróleo e o gás fossem transportados da África (Sudão e
outras fontes) e do Médio Oriente (especialmente Irão e Arábia Saudita) sem necessidade de atravessar o vulnerável ponto
de estrangulamento do Estreito de Malaca. Mianmar tornar-se-ia a ‘ponte’ da
China, ligando Bangladesh e os países a ocidente da China continental, independentes
de possíveis movimentos futuros de Washington para controlar o Estreito. Essa
ponte seria um desastre geopolítico para os EUA que Washington estava
determinado a impedir por todos os meios.
A ‘Revolução Açafrão’, de
2007, foi essa tentativa. No entanto, não alcançou o seu objectivo. Em Maio de
2008, foi feita outra tentativa para desestabilizar o regime em Mianmar, quando
o devastador ciclone Nargis atingiu o país, causando milhares de mortos à sua
passagem. A Administração Bush ameaçou enviar tropas militares sob o pretexto
de fornecer socorro internacional ao país, usando o argumento humanitário para
maximizar a pressão sobre o regime, num momento de crise genuína.
Em Julho de 2008, o Presidente
Bush renovou o seu pedido para que o regime de Mianmar libertasse a líder da
oposição Aung San Suu Kyi da
prisão domiciliar. Bush declarou à imprensa: “Estou profundamente preocupado
com esse país” .(11) No entanto, a sua sinceridade foi posta em dúvida, porque
o mundo analisava o seu histórico no Iraque e o seu apoio à tortura de prisioneiros
em Guantánamo e noutros lugares, apesar das críticas mundiais e do Direito
Internacional que a proíbe.
Porém, a manobra humanitária
foi uma clara tentativa de Washington de usar o veículo dos ‘direitos humanos’
como arma de mudança de regime em Mianmar e uma extensão do que só poderia ser
chamado de imperialismo americano.
A
Perigosa Mudança de Aliança da Índia
Não era de admirar que a China
estivesse a tomar precauções. Desde que a Administração Bush decidiu, em 2005,
recrutar a Índia para o Novo Quadro do Pentágono sobre as Relações de Defesa
EUA-Índia, a Índia foi empurrada para uma aliança estratégica com Washington,
explicitamente para conter a influência crescente da China na Ásia.
O Secretário da Defesa, Donald
Rumsfeld, havia encomendado um estudo de Andrew Marshall, ao Office of Net
Assessments, do Pentágono. O relatório intitulava-se “As Relações Militares
Índia-EUA: Expectativas e Percepções”. Foi lançado em Outubro de 2002.
Aproximadamente quarenta funcionários seniores dos EUA e cerca do mesmo número
de funcionários indianos em serviço e aposentados, foram entrevistados para esse
estudo. Entre as observações do relatório estava a de que as forças armadas
indianas poderiam ser usadas “para operações de baixo custo na Ásia, como
operações de manutenção da paz, operações de busca e salvamento…”. O estudo
concluía:
Queremos
um amigo em 2020 que seja capaz de ajudar os militares dos EUA a lidar com uma
ameaça chinesa. Não podemos negar que a Índia criará uma força contrária à
China.(12)
Em Outubro de 2002, o
relatório do Pentágono afirmava ainda que a razão para a aliança de defesa
Índia-EUA seria ter um “parceiro capaz, que pudesse assumir mais
responsabilidade pelas operações de baixo custo” na Ásia, ou seja, operações de
baixo custo direccionadas à China e “em última análise, fornecer base e acesso
para a projecção do poder dos EUA”, também apontado à China. Washington estava a negociar,
discretamente, uma base em território indiano como parte do novo acordo, uma
grave violação do estatuto tradicional não alinhado da Índia.
O relatório do Pentágono
repetiu o documento da Estratégia da Segurança Nacional, da Administração Bush, de Setembro de 2002, declarando que os
EUA não permitiriam que qualquer outro país igualasse ou superasse a sua força
militar. Anunciou que os EUA usariam o seu poder militar para dissuadir
qualquer potencial aspirante. A revisão estratégica apontou a China como a
potência com capacidade de poder ameaçar a hegemonia dos EUA na região.
No que dizia respeito à Índia,
o relatório afirmava:
Os Estados Unidos efectuaram uma
transformação no seu relacionamento bilateral com a Índia, baseados na
convicção de que os interesses dos EUA exigem um forte relacionamento com a
Índia. Somos as duas maiores democracias, comprometidas com a liberdade
política protegida por governos representativos. A Índia também está a caminhar
para uma liberdade económica mais ampla.(13)
Para suavizar os laços
militares, o governo Bush ofereceu à Índia o fim das suas sanções nucleares de
30 anos e a venda de tecnologia nuclear avançada dos EUA, legitimando a
violação aberta da Índia ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, ao mesmo tempo
que Washington acusava o Irão de violar esse mesmo Tratado - um exercício de
hipocrisia política, para dizer o mínimo.
Incrivelmente, logo que os
monges de Mianmar, vestidos com túnicas de cor açafrão saíram às ruas, o
Pentágono iniciou exercícios navais conjuntos, entre os EUA e a Índia, o
Malabar 07, juntamente com as forças armadas da Austrália, do Japão e de Singapura.
Os EUA mostraram o poder da sua 7ª
Frota, instalando os porta-aviões USS
Nimitz e USS Kitty Hawk, os
cruzadores de mísseis guiados USS Cowpens
e USS Princeton, e nada menos que
cinco destróieres com mísseis guiados.(14)
O perigo da mudança de regime
apoiada pelos EUA em Mianmar, juntamente com a crescente projecção do poder
militar de Washington na Índia e noutros aliados na região, era claramente um
factor na política de Pequim em relação à junta militar de Mianmar.
Dentro da própria Índia houve
uma profunda divisão entre os líderes do país e no Parlamento, sobre a nova
aliança estratégica com Washington. A cisão foi tão grande que, em Janeiro de
2008, o Primeiro Ministro da Índia, Manmohan Singh, fez a sua primeira visita
oficial à China, onde declarou:
“Deixei claro para a liderança chinesa que a
Índia não faz parte de nenhum designado ‘esforço de contenção da China’. (15)
Não era claro, se ele estava a ser sincero. O que ficou claro, é que o seu
governo estava a sentir-se pressionado quer por Washington, quer por Pequim.
Como era frequentemente o
caso, de Darfur a Caracas e a Rangoon, o apelo de Washington a favor da ‘democracia’
e dos ‘direitos humanos’ tinha que ser tomado com, pelo menos, um grande grão
de sal (tinha de ser aceite, mantendo cepticismo sobre a verdade desse facto). Na maioria
das vezes, o gosto era mais do que amargo; era desagradável.
Foi esse o caso das operações
de ‘democracia’ e dos ‘direitos humanos’ de Washington em Darfur, no sul do Sudão,
uma região de importância estratégica fundamental para o fornecimento de
petróleo à China.
A seguir:
Sudão:
O Significado de Darfur
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
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